O povoamento
de Mato Grosso foi a resultante do descobrimento das minas de ouro de Cuiabá
pelos bandeirantes vindos de São Paulo na preia dos índios. Esgotados os
depósitos auríferos aluvionais do Coxipó e do Sutil, o espírito ambulatório dos
sertanistas imantou-se no sentido da posse das terras visualizada na fundação
das fazendas para o apascentamento
dos
rebanhos. Ademais, a posse de grandes tratos de terra dava ao sertanistas foros
de opulência e de nobreza, a cepa do nosso coronelismo, que se assemelhava a um
feudalismo achamboado, no dizer de Euclides da Cunha.
A
movimentação da própria lida do pastoreio impunha a penetração de novos
horizontes, num centrifugismo ampliador que desvendava paragens mais
vantajosas, propiciando novas posses.
Foram as
investidas dos sertanistas, nas pegadas das bandeiras paulistas, repulsadoras
dos castelhanos das reduções erigidas à sombra da linha de Tordesilhas, que
ensejaram as posses na região da Vacaria, no sul matogrossense.
Deve-se ao
intimorato sertanista Joaquim Francisco Lopes o reconhecimento dessa região
através das suas dezessete entradas, vindo de sua fazenda Monte Alegre, nas
proximidades do rio Paraná, para as bodas do seu espírito de bandeirante com a
virgindade de paragens ignotas. A ele deve-se a vinda dos Barbosas, dos Lopes e
dos Sousas, os pioneiros do povoamento da Vacaria com os rebanhos que
trouxeram. Foram eles os povoadores da região, que os paraguaios reivindicaram
como de seu domínio. As suas posses entre os rios Apa e Miranda foram os marcos
que assinalaram as raias do Império nesses lindes distanciados.
Com a
invasão da região pelas tropas de Solano Lopez, a mando do coronel Francisco
Isidoro Resquin, os posseiros tiveram que abandonar as suas fazendas até que,
concluída a guerra em 1870, tornaram a elas, restaurando-as.
Assim, vindo
de Monte Alegre, Minas Gerais, José Antônio Pereira aportou, a 21 de junho de
1872, à confluência dos córregos que mais tarde se chamariam de Prosa e
Segredo, local que julgou adequado ao estabelecimento de sua posse, resolvendo
aí ficar.
Decidido a
fixar-se nessas paragens, retornou a Monte Alegre a fim de trazer dali os
integrantes de sua numerosa família e os seus haveres, deixando na posse o
poconeano João Nepomuceno, com quem se encontrara no local. Entrementes, este,
aventurosa criatura, comete um crime, assassinando, numa disputa sobre a compra
de uma rês para seu abastecimento, o fazendeiro de Camapuã Joaquim Mota, que o
obrigou a refugiar-se da justiça, abandonando a posse, traspassando-a ao
mineiro Manuel Vieira de Sousa que, numa caravana em que vinham vários
familiares, rumava para o sertão em busca de terras para uma posse. Ressalvou, porém,
o transferente, o direito que caberia a José Antônio Pereira,
caso
retornasse este de sua viagem a Monte Alegre, que se dilatara das previsões
estimadas.
Estabelece-se
Manuel Vieira na posse e a 14 de agosto de 1875 vê chegar José Antônio Pereira
conduzindo numerosa caravana composta de seis carros-de-bois atestados de
bagagens, víveres, sementes e mudas de árvores frutíferas à frente de um lote
de gado de criar e animais de campeio. Vinham, ao todo, entre familiares e
escravos, 62 pessoas.
Esclarecida
a situação criada com a fuga de João Nepomuceno, ocasionadora da transação que
efetuara, entenderam-se os posseiros e permaneceram no local onde realizaram,
para acomodação de todos, a construção de vários ranchos ao longo do atual
córrego do Prosa, que seria mais tarde, a rua que se denominaria 26 de Agosto.
Lançadas as
construções que, dessarte ganhariam aspecto de povoado, prestes ele se
desenvolveu, mercê de sua posição que era a de ponto de apoio naquelas ermas
paragens para os que da Vacaria demandavam Camapuã, no caminho para Santana do
Paranaíba, em busca das terras de Minas Gerais, pela via terrestre, ou as de
São Paulo, pela via fluvial do rio Pardo. Concorreu também para o seu progresso
a construção de uma igrejinha com que se desobrigara José Antônio Pereira de
promessa feita a Santo Antônio, quando, no seu trajeto para a nova terra, fora
detido, em Santana do Paranaíba, por um surto de malária ali dominante.
Os moradores
de distanciadas regiões vinham no fervor de sua crença trazer à imagem do
taumaturgo de Pádua as oblatas das suas preces e os rogos para as suas
aflições.
No seu
panteísmo de crente de Santo Antônio e na moldura do ambiente físico da gleba
em que se instalara, José Antônio dá-lhe o nome de
Santo
Antônio de Campo Grande. Era, realmente, grande, mesmo imenso, o desafogado
campo em que se situara.
Fortalecido
pela sua expressão demográfica que se vai adensando, o local ganha foros de
povoado. Em 1878 vem da vila de Nioaque o padre Julião Urquia rezar a primeira
missa, sob a invocação de Santo Antônio, e realizar casamentos e batizados em
cerimônias festivas que se celebraram no dia 4 de março. De então em diante, o
velho cura incluía sempre
o povoado de
Santo Antônio de Campo Grande nas suas desobrigas pelos
sertões, na
semeadura da fé cristã.
Organização política
A Lei n.
792, de 22 de novembro de 1889, promulgada pelo presidente da província – a
notícia da proclamação da República, a 15 de novembro, somente chegou a Cuiabá
a 9 de dezembro de 1889 – ainda atreita à divisão administrativa imperial,
criou a freguesia de Santo Antônio de Campo Grande, pertencente ao município de
Nioaque.
Instituída a
república, a Lei n. 165, de 6 de março de 1897, transferiu a freguesia da
jurisdição da comarca de Nioaque para a de Miranda.
Com a
fundação do povoado de Aquidauana, em 15 de agosto de 1892, às margens desse
rio, um dos afluentes do Miranda que, por sua vez, é um dos tributários do
Paraguai, mais um elo se acresceu à cadeia de comunicações que Campo Grande
centralizava. É que aquele povoado, implantado à margem do rio navegável, seria
o porto por onde os habitantes do planalto, especialmente da Vacaria, receberiam
as utilidades de que careciam, transportadas pela via fluvial servida de
lanchas a vapor rebocando chatas.
Essa via
fluvial era o caminho mais propício às viagens à capital do Estado, Cuiabá, e
Rio de Janeiro, os dois pólos de relações políticas, administrativas e
comerciais do novel centro de população que dia a dia ganhava desenvolvimento.
Destarte, a estrada para Aquidauana passou a ter intensa movimentação de carros
e carretas-de-bois transportadoras de mercadorias, suplantando, assim, o
comércio que se fazia com a distante Conceição, no Paraguai, empório da região
da Vacaria.
O município
Continuando a desenvolver-se, a
freguesia foi elevada à categoria de vila, constituindo um município da comarca
de Nioaque pela Lei n. 225, de 26 de agosto de 1899, data festivamente
comemorada como o dia da cidade.
Criado o município, foi nomeado
seu primeiro intendente (hoje prefeito), Francisco Mestre, pelo governador
(então presidente) do Estado, um dos mais esclarecidos e intelectualmente
capazes cidadãos da nova comuna.
A amenidade do clima, a
fertilidade do solo, a posição geográfica ensejadora de um dominante
centripetismo na região, a força da atração do convívio humano nessas paragens
solitárias, foram as parcelas que deram vitalidade, destaque e importância à
vila de Santo Antônio de Campo Grande, já na posse de foros de município, no
dealbar deste século
(século
20).
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