terça-feira, 8 de setembro de 2015

A IMIGRAÇÃO GAÚCHA - JOSÉ BARBOSA RODRIGUES

Ao mesmo tempo que a região de Mato Grosso, após a guerra do Paraguai, começava a ser repovoada, o Estado do Rio Grande do Sul era teatro de lutas políticas sangrentas a partir de 1891, perdurando até 1895, quando se extinguiu a Revolução Federalista. Os vencidos, principalmente, haviam se refugiado nas repúblicas vizinhas – Uruguai, Argentina e Paraguai – de onde muitos, temorosos de represálias ou cansados das lutas em que se empenharam, decidiram emigrar para Mato Grosso.
Foi assim que muitos rio-grandenses que fizeram história no Rio Grande deixaram o seu nome inscrito na historiografia de Mato Grosso do Sul. João de Barros Cassal, advogado, coronel Bento Xavier, Antônio Inácio Trindade, capitão honorário do Exército brasileiro, que promoveu intercâmbio entre Mato Grosso e o Rio Grande; Joaquim César, Constantino
de Almeida, Felipe de Brum, Davi Medeiros, Policarpo d’Ávila, Pedro Gomes de Oliveira, José Leite Penteado, Antônio Falcão, os Loureiros, Antunes e, além de muitos outros, Augusto Ilgenfritz5.
5. Este gaúcho resoluto toma a decisão de, saindo de São Tomé
(RS), atingir a região mato-grossense pedalando uma bicicleta...
Extenuado, chega a Posadas (Argentina) com o veículo às costas,
vencido pelos areais das estradas... Prosseguiu, até onde pôde,
por ferrovia. Mas veio!
Sozinhos, ou acompanhados de familiares, muitos foram os rio-grandenses que cruzaram, durante meses de caminhada, partes dos territórios da Argentina e Paraguai, a cavalo ou em carros-de-bois, até mesmo a pé, antes de chegarem a Mato Grosso. Historiadores rio-grandenses calculam em dez mil o número de gaúchos vindos no final do século 19 e início do século 20 para a região então assinalada como Nova Querência.
O escritor gaúcho Mário Beck esclarece que essa marcha era feita em quatro escalas ou paradas: a primeira em Posadas, na Argentina; a segunda em Encarnación (Paraguai); a terceira em São Joaquim, divisor das águas do Paraná e Paraguai; a quarta, em Ipeum (atual Paranhos), já em Mato Grosso do Sul. Durante a marcha, “crianças, cachorros e potrilhos
iam nascendo”6.
6. “Ali encontraram os nossos coestaduanos, topografias, climas,
meios enfim, análogos aos de suas terras natais. Os mesmos horizontes largos das imensas campinas! A mesma sinuosa cadeia
de coxilhas! Largas pastagens à criação do gado! E o chimarrão?
Sem ele o gaúcho não se aclimataria. Mas ali existem enormes ervais... E também a cuia espumando num amargo, foi mais um
atilho que prendeu o guasca ao chão da Nova Querência.” (Mário
Lima Beck, NOVA QUERÊNCIA – Crônica das emigrações rio-grandenses para Mato Grosso, p. 18, Livraria Selbach, Porto
Alegre, 1935).
A primeira notícia da presença do rio-grandense na região pantaneira data do final do século 19, segundo o relato colhido em 1904 pelo viajante checo A. V. Fritch, feito por um “médico-feiticeiro caduveo” (o pajé Apatxaro), relato este mais recentemente divulgado por Loukotka7 que afirma terem os gaúchos estado na região do Nabileque, sob o comando do coronel Benito Chovier8, a chamado de Malheiros, senhor de Barranco Branco, para combaterem os índios cadiueus. Textualmente, diz o relato: “Afinal, Malheiros tratou com o coronel Benito Chovier que lhe acudiu com os refugiados do Rio Grande do Sul. Eles tinham fugido da revolução e levado consigo o gado. Compraram fuzis de repetição (sistema
mauser). Mas antes de chegarem à fazenda, foram atacados por Anuvila e dezoito Caduveo que mataram muitos homens do Rio Grande. Os outros se fecharam nas casas. Os caduveo os assediaram. Havia lá encerrados cento e vinte gaúchos. Tinham somente facões. Um valente correntino, Miguel Pires, apoderou-se corajosamente de um fuzil Remington.
Feriu um Caduveo que estava trepado no telhado. Os outros fugiram para as florestas. Os refugiados do Rio Grande pensavam que havia lá muitas centenas de índios. Nesse momento nasceram grande desconfiança e muito medo nos dois partidos. Os infelizes Caduveo foram perseguidos como caça, de um lugar para outro. Não puderam nem fazer plantações nem construir aldeias.”9
7. “Nouvelle contribution a l’étude de la vie et du langage des
Kaduveo”, in Journal de la Société des Americanistes, NS, t. XXV,
Paris, 1933, 253-254.
8. Não seria coronel Bento Xavier? Tudo indica que sim, pois
Bento Xavier, por algum tempo, trabalhou na caça ao gado alçado,
na fazenda de Malheiros.
9. Apud Guido Boggiani, “Os Caduveo”, p. 37.
Alguns gaúchos já estavam, porém, radicados na região antes da grande migração, que ficaram na região depois da desmobilização ocorrida no fim da Guerra do Paraguai, o que facilitou a acomodação dos chegantes, cuja maioria nunca mais regressou aos pagos, mas deixou-se ficar na nova querência onde havia pastagens para o gado e o mate para o chimarrão tradicional.
A região fronteiriça era como que um prolongamento dos pampas. Tudo isso colaborou para que os rio-grandenses se sentissem em casa.
Os gaúchos Felipe de Brum e Adão de Barros destacaram-se então como anjos tutelares em assistência às comitivas chegantes depois de caminharem por três ou mais meses pelos sertões da Argentina e do Paraguai, enfrentando toda sorte de perigos, além de assaltantes correntinos que infestavam aquelas paragens.
Entre os rio-grandenses radicados na fronteira Brasil-Paraguai, destacou- se o coronel Bento Xavier, que após anos de vida pacata transformou- se em elemento perigoso, rebelando-se contra o governo estadual, não deixando de constituir motivo de desassossego para muita gente, inclusive para os habitantes de Campo Grande, cidade por ele assaltada, onde encontrou a reação destemida de Amando de Oliveira.
Em Nioaque, então próspera cidade sulina, centro de reações políticas, refugiara-se, em 1901, o advogado rio-grandense João de Barros Cassal, tribuno famoso que fizera parte do “governicho” que dominou o Rio Grande após a renúncia de Júlio de Castilhos em 1891.
Possuidor de esplêndida facilidade de comunicação, arrastava, graças ao seu verbo inflamante, verdadeiras multidões quando ainda em Porto Alegre. Em Nioaque aliou-se a João Ferreira Mascarenhas, segundo vice presidente do Estado, revolucionário mato-grossense. Como advogado de inúmeros posseiros, revoltou-se contra a morosidade e a indecisão do governo de Cuiabá em deferir os processos dos quais era patrono, mas que não interessavam a Mate Laranjeira e aos seus aliados, os irmãos Murtinho. Tendo sido paladino da liberdade no Rio Grande, em Mato Grosso tornou-se divisionista, pregando a separação do sul do Estado.
Não foi maior a sua contribuição ao movimento iniciado pelo capitão João Caetano Teixeira Muzzi, porque a morte o surpreendeu em 1903, vítima de congestão cerebral. Os seus restos mortais, transladados para Porto Alegre, em 1906, foram apoteoticamente recebidos pela população.
Trazendo para a região os seus usos e costumes, os migrantes gaúchos, de mentalidade mais arejada, exerceram grande influência nos meios reinantes na fronteira, onde vegetava uma escassa população semi-ignara, que se comunicava por meio de um linguajar mesclado de português, espanhol e guarani. Durante anos os gaúchos empenharam-se em luta contra o monopólio da Empresa Mate Laranjeira, que se julgava senhora de todos os ervais da região.
Vitoriosa a Revolução de 1930, que alçou o gaúcho Getúlio Vargas à presidência da República do Brasil, foi o rio-grandense coronel Antonino Mena Gonçalves nomeado interventor no Estado de Mato Grosso, o que ensejou reacender no seio da população gaúcha o desejo de transmigrar- se para este Estado. Contudo, poucas famílias concretizaram essa
aspiração.
A década de 70, principalmente nos últimos anos, com a “descoberta” do aproveitamento dos cerrados para a expansão da agricultura, foi marcada com a emigração de paranaenses, catarinenses e especialmente de gaúchos que, economicamente em boa situação, afluíram à região, dedicando- se principalmente à lavoura de cereais, arroz, trigo e soja, transformando os campos e cerrados em verdejantes plantações desde São Gabriel do Oeste a Ponta Porã, inclusive a região da Grande Dourados.
A chegada dos filhos do Rio Grande do Sul, afeitos ao amanho da terra e acostumados ao uso de fertilizantes, até então quase desconhecidos dos antigos habitantes da região, ocasionou verdadeira revolução nos meios agrícolas do surgente Mato Grosso do Sul.
Criado o novo Estado, em 1977, essa migração atingiu o clímax, dada a justa euforia que tomara conta de todos. Em conseqüência, vilarejos até então modorrentos, se transformaram em povoados trepidantes enquanto que outros núcleos populacionais surgiram quase que de um dia para o outro.

Instalado o primeiro governo do Estado, contingências de ordem política ensejaram a nomeação de um governante vindo, coincidentemente, de terras gaúchas. O matogrossês, ao invés de demonstrar repulsa à “invasão” gaúcha, recebeu de braços abertos aos chegantes e, irmanados.

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