terça-feira, 8 de setembro de 2015

A EXTRAÇÃO DA ERVA MATE - JOSÉ BARBOSA RODRIGUES


Cessado o toque de clarim às margens do riacho paraguaio Aquidabãnigui, onde Solano Lopez expirou vítima da guerra que provocara, o governo imperial brasileiro não se descuidou de estabelecer em definitivo os lindes territoriais brasileiros com a República do Paraguai.
Foi criada então a Comissão de Limites com a finalidade de marcar a linha divisória entre os dois países, de acordo com o princípio do  utis possidetis e das decisões arbitrais.
Os sonhos acalentados pelos conquistadores espanhóis desde os tempos de Irala até Solano Lopez foram afogados pelo rio de sangue que este último provocou no dia de 12 de novembro de 1864, quando aprisionou o vapor Marquês de Olinda.
A Comissão de Limites, que teve os seus trabalhos iniciados a partir de 16 de agosto de 1872, constituída de representantes do Brasil e do Paraguai, tinha como fornecedor um cidadão brasileiro por nome Tomás Laranjeira, natural de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. No exercício de suas funções este fornecedor, nas suas andanças pela região, teve ocasião de travar conhecimento dos ervais nativos que constituíam verdadeiras matas em áreas que se estendiam pelos atuais municípios de Dourados, Ponta Porã, Bela Vista, etc.
Aquela riqueza ervateira, que cobria vasta área do atual Mato Grosso do Sul, despertou em Laranjeira, possuidor de espírito prático e empreendedor, que permanecera, depois da Guerra, no Paraguai e conhecera a arte da industrialização da erva, por intermédio do Visconde de Maracaju, seu antigo chefe na Comissão Demarcadora de Limites, que lhe deu a concessão
(Decreto n. 81.799, de 9 de dezembro de 1882) que pleiteava, pois o consumo da erva-mate era grande nos povos do sul do continente.
Antes de 1930, a Argentina consumia aproximadamente 75 milhões de quilos de erva-mate, sendo 60 milhões procedentes
do Brasil, ou seja, do Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso. Da região ervateira de Mato Grosso a Empresa Mate Laranjeira e outras pequenas de Foz do Iguaçu contribuíam com 20 milhões. Dentro de pouco tempo, contando com o braço de índios guaranis e de paraguaios, iniciou Laranjeira uma nova indústria extrativa de grande aceitação no comércio sulino, pois a Ilex paraguariensis nativa na região apresentava sabor especial, que superava o dos ervais tradicionais tanto do Paraguai como da Argentina. O campônio paraguaio e o gaúcho dos pampas, afeito aquele ao tereré e este ao chimarrão, passaram a dar preferência ao produto originário da região que ficava acima do rio Apa.
“A exploração dos ervais de Mato Grosso foi realizada principalmente por paraguaios que, falando também o guarani, mais facilmente puderam aliciar os índios para o trabalho, ensinar lhes as técnicas de extração e o preparo da erva e acostumá-los ao uso de ferramentas, panos, aguardentes, sal e outros artigos, cujo fornecimento posterior era condicionado à sua integração, como mão-de-obra, na economia ervateira.” (Darci Ribeiro, OS ÍNDIOS E A CIVILIZAÇÃO, p. 89).
A indústria de Tomás Laranjeira expandiu-se do dia para a noite, passando a constituir fonte estupenda de riqueza até a década de quarenta, no século atual (século 20). Proclamada a República, assumiu o governo de Mato Grosso o general Antônio Maria Coelho, outro companheiro de Laranjeira, o que facilitou um contrato mais amplo para a extração do
mate na extensa região delimitada pelos rios Brilhante e Ivinhema ao norte, o Paraná ao leste, e Iguatemi ao sul e serra de Amambaí ao oeste. Esse contrato foi referendado pelo governo republicano, pelo Decreto n. 520. O Estado passou a lucrar com os rendimentos de imposto, enquanto que povoações iam surgindo na região que antes da Guerra do Paraguai era contestada pelos dois países – Brasil e Paraguai – teatro que era de sortidas freqüentes entre os habitantes da região.
Aos poucos, Tomás Laranjeira construíra um verdadeiro império de trabalho onde o paraguaio, derrotado e necessitado de sobreviver, encontrava, graças ao seu sistema frugal de vida, meios de subsistência. Em épocas certas do ano os ervais silenciosos enchiam-se de vida com a presença dos ervateiros a colher a erva, num trabalho verdadeiramente hercúleo.
Fundado o Banco Rio e Mato Grosso, sob a direção do dr. Joaquim Murtinho, aliou-se a ele Tomás Laranjeira, do que resultou a formação da Companhia Mate Laranjeira, sociedade anônima, com um capital de 15.000 ações, das quais Laranjeira ficou com apenas 110. Mais tarde, assumindo o governo de Mato Grosso o dr. Manuel Murtinho, mano do responsável pelo Banco Rio e Mato Grosso, o Estado arrendou àquela as terras devolutas situadas entre o ribeirão Onças, a serra de Amambaí, o ribeirão São João e os rios Dourados, Brilhante, Ivinhema e Paraná. Em 15 de julho de 1893, essa área foi acrescida com todo o vale do Santa Maria, pela Resolução Legislativa n. 103.
Tomás Laranjeira, nome hoje em dia pouco conhecido das novas gerações, foi com a indústria extrativa um pioneiro, verdadeiro bandeirante, que muito fez no sentido da conquista e do desbravamento da região. Hoje em dia o seu nome é lembrado apenas nas referências históricas ligadas à Companhia Mate Laranjeira, que passou, no século 20, a constituir
um estado dentro do Estado, formada por capital argentino e dirigida pelos representantes de seus acionistas.
A história desta Companhia, que ainda não foi escrita totalmente, é cheia de altos e baixos, estes quase sempre prejudiciais ao desenvolvimento regional, o qual somente pôde ser devidamente levado avante com a reação de governos de Mato Grosso, que aos poucos foi cortando as suas asas e contendo as suas arrancadas expansionistas.
É inegável a existência de alguns saldos positivos deixados pela Mate Laranjeira, como a abertura de estradas, a criação de localidades como Porto Murtinho, antiga fazenda Três Barras, em plena região pantaneira, por onde era exportado o produto da extração ervateira.
A intolerância dos donos da Mate Laranjeira para com os brasileiros que chegavam principalmente do Rio Grande do Sul, fugindo às impiedosas “guerras caudilhescas” que enlutaram aquele Estado no fim do século 19 e início do século 20, ensejou por parte destes um ambiente de revolta contra o domínio da Empresa argentina, que não permitia o estabelecimento de outras atividades que não a extração ervateira de seu interesse, o surgimento do Movimento Divisionista, que teve por berço Nioaque. Ali repercutiu o brado de Muzzi, que ecoou na revolta de Mascarenhas, coadjuvado pelo advogado Barros Cassal, que ali se homiziara, vindo de Porto Alegre, por perseguição política.
Além de Porto Murtinho, as povoações de Ponta Porã, Bela Vista e Colônia Penzo (atual município de Antônio João) e Dourados foram localidades que se formaram durante este período marcante de após guerra, na região ervateira.
Com as ampliações verificadas no decorrer da concessão, a área ocupada pela Mate Laranjeira atingiu a mais de 1.600 léguas quadradas!
A fim de facilitar a exportação do produto, o Banco de Murtinho adquiriu à margem esquerda do rio Paraguai a fazenda Três Barras, abaixo do Fecho dos Morros, e fundou Porto Murtinho.
Passando ao controle da Mate Laranjeira, da qual era o maior acionista o Banco Rio e Mato Grosso, a indústria idealizada por Tomás Laranjeira expandiu-se muito além da expectativa, tornando-se o governo de Mato Grosso sem forças para interferir efetivamente na região, não faltando em alguns períodos governamentais a influência da Empresa, ligada a próceres políticos influentes. A localidade de Campanário, na região de Ponta Porã, sede administrativa em Mato Grosso, da Mate Laranjeira, tornou-se durante alguns anos como que uma cidade medieval fechada a quem quer que fosse, um delegado de polícia ou mesmo um juiz de direito. As autoridades designadas pelo governo estadual eram simplesmente corrompidas se quisessem manter-se no cargo. Até mesmo o governo estadual, nos seus momentos de apertura financeira, recorreu a empréstimos e garantias que a Empresa atendia com vistas à aquisição futura da extensa área objeto da concessão.
A Mate Laranjeira “tão desproporcionadamente prosperou, em relação à economia mato-grossense, que, por fim dispunha de recursos com que pudesse intervir na política estadual, franca ou veladamente.(....). Conseqüência fatal de tal pujança, com o apoio fortalecia os governos amigos, do mesmo passo que perturbava, com sérias hostilidades, as administrações ou partidos adversos”. (V. Correia Filho, PEDRO CELESTINO, p. 102). n. 1 – setembro de 2003
O domínio adquirido pela Mate Laranjeira baseava-se em contrato que firmara com o governo de Mato Grosso a 2 de agosto de 1894, contrato pelo qual lhe era dada a permissão para colher a erva a ser industrializada e comerciada “desde as cabeceiras do rio das Onças, na serra de Amambaí, pelo ribeirão S. João e nos Dourados, Brilhante, Ivinhema e Paraná até a serra das Onças”. Entrando em liquidação o Banco Rio e Mato Grosso, proprietário de 14.500 ações de um total de 15.000, do qual era presidente Manuel Murtinho, a concessão de exploração dos ervais, que perduraria até junho de 1916, passou para a firma Laranjeira, Mendes e Cia., com sede em Buenos Aires, sendo a transferência da concessão
autorizada por lei especial de 19 de maio de 1902.
Além de estradas carreteiras abertas pela Mate Laranjeira, esta construiu uma estrada de ferro no Estado do Paraná ligando Guaíra a Porto Mendes, com a estação intermediária, Dr. Oliveira Castro, vencendo a região não-navegável de Sete Quedas. A última composição trafegou em 1954. A sua principal estação foi submersa, em 1982, com a formação da represa de Itaipu. Também em Porto Murtinho uma outra fora construída para transporte do produto das colheitas, desde os ervais até o cais de embarque, no rio Paraguai.
Desentendimentos políticos em Cuiabá, que não vem a pêlo historiar neste trabalho, protelaram durante anos uma decisão definitiva sobre a concessão para a exploração da erva-mate, apesar da proteção dispensada à Empresa pelo senador Antônio Azeredo, que enfrentava a campanha de defesa dos interesses do Estado e dos povoadores da região movida pela figura varonil de Pedro Celestino Correia da Costa. Enquanto essa situação perdurava, os ervais do Paraná passaram a ser mais bem explorados e a Estrada de Ferro Noroeste ia avançando sobre a região sulina de Mato Grosso. Em conseqüência, a indústria ervateira do antigo império da Mate Laranjeira entrava em declínio.
Para se ter uma idéia do quanto o contrato da concessão interessava à Empresa, basta que se diga que sobre a produção de uma área de 1.400.000 hectares o Estado recebia apenas a importância de trezentos e cinqüenta mil réis, até seis milhões de quilos de erva exportados.
No governo de Dom Fr. de Aquino Correia, eleito graças a um acordo entre as correntes políticas, títulos de propriedade de terras começaram a ser expedidos aos posseiros que conseguiram radicar-se na região.
Foi somente após a Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao Poder, com a mudança da mentalidade reinante na chamada República Velha, que a Empresa entrou em paulatina liquidação de suas propriedades.
O governo federal desapropria as instalações de Guaíra e o serviço de navegação que a Mate Laranjeira mantinha no alto Paraná, acabando com o monopólio que subsistiu durante setenta anos.
Como decorrência dessas medidas, novos povoadores foram entrando na região, surgindo núcleos populacionais hoje transformados em municípios.
Na região de Dourados, a Colônia Federal, criada pelo governo brasileiro, atraiu centenas de pequenos produtores rurais que foram desbravando a área que era coberta por ricas matas, cujo solo se mostrava propício à lavoura e à formação de viçosas pastagens.
Coube ao governo de Arnaldo Estêvão de Figueiredo (1947-1950), com a sua política de terras, dar o tiro de misericórdia na Mate Laranjeira, acabando com o agonizante império iniciado por Tomás Laranjeira.

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