Cessado o toque de clarim às margens do riacho
paraguaio Aquidabãnigui, onde Solano Lopez expirou vítima da guerra que
provocara, o governo imperial brasileiro não se descuidou de estabelecer em
definitivo os lindes territoriais brasileiros com a República do Paraguai.
Foi criada então a Comissão de Limites com a
finalidade de marcar a linha divisória entre os dois países, de acordo com o
princípio do utis possidetis e das
decisões arbitrais.
Os sonhos acalentados pelos conquistadores
espanhóis desde os tempos de Irala até Solano Lopez foram afogados pelo rio de
sangue que este último provocou no dia de 12 de novembro de 1864, quando
aprisionou o vapor Marquês de Olinda.
A Comissão de Limites, que teve os seus trabalhos
iniciados a partir de 16 de agosto de 1872, constituída de representantes do
Brasil e do Paraguai, tinha como fornecedor um cidadão brasileiro por nome
Tomás Laranjeira, natural de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. No exercício de
suas funções este fornecedor, nas suas andanças pela região, teve ocasião de
travar conhecimento dos ervais nativos que constituíam verdadeiras matas em
áreas que se estendiam pelos atuais municípios de Dourados, Ponta Porã, Bela
Vista, etc.
Aquela riqueza ervateira, que cobria vasta área do
atual Mato Grosso do Sul, despertou em Laranjeira, possuidor de espírito
prático e empreendedor, que permanecera, depois da Guerra, no Paraguai e
conhecera a arte da industrialização da erva, por intermédio do Visconde de
Maracaju, seu antigo chefe na Comissão Demarcadora de Limites, que lhe deu a
concessão
(Decreto n. 81.799, de 9 de dezembro de 1882) que
pleiteava, pois o consumo da erva-mate era grande nos povos do sul do continente.
Antes de 1930, a Argentina consumia aproximadamente
75 milhões de quilos de erva-mate, sendo 60 milhões procedentes
do Brasil, ou seja, do Paraná, Santa Catarina e
Mato Grosso. Da região ervateira de Mato Grosso a Empresa Mate Laranjeira e outras
pequenas de Foz do Iguaçu contribuíam com 20 milhões. Dentro de pouco tempo,
contando com o braço de índios guaranis e de paraguaios, iniciou Laranjeira
uma nova indústria extrativa de grande aceitação no comércio sulino, pois a
Ilex paraguariensis nativa na região apresentava sabor especial, que superava o
dos ervais tradicionais tanto do Paraguai como da Argentina. O campônio
paraguaio e o gaúcho dos pampas, afeito aquele ao tereré e este ao chimarrão,
passaram a dar preferência ao produto originário da região que ficava acima do
rio Apa.
“A exploração dos ervais de Mato Grosso foi
realizada principalmente por paraguaios que, falando também o guarani, mais facilmente
puderam aliciar os índios para o trabalho, ensinar lhes as técnicas de extração
e o preparo da erva e acostumá-los ao uso de ferramentas, panos, aguardentes,
sal e outros artigos, cujo fornecimento posterior era condicionado à sua
integração, como mão-de-obra, na economia ervateira.” (Darci Ribeiro, OS ÍNDIOS
E A CIVILIZAÇÃO, p. 89).
A indústria de Tomás Laranjeira expandiu-se do dia
para a noite, passando a constituir fonte estupenda de riqueza até a década de
quarenta, no século atual (século 20). Proclamada a República, assumiu o
governo de Mato Grosso o general Antônio Maria Coelho, outro companheiro de Laranjeira,
o que facilitou um contrato mais amplo para a extração do
mate na extensa região delimitada pelos rios
Brilhante e Ivinhema ao norte, o Paraná ao leste, e Iguatemi ao sul e serra de
Amambaí ao oeste. Esse contrato foi referendado pelo governo republicano, pelo
Decreto n. 520. O Estado passou a lucrar com os rendimentos de imposto,
enquanto que povoações iam surgindo na região que antes da Guerra do Paraguai era
contestada pelos dois países – Brasil e Paraguai – teatro que era de sortidas
freqüentes entre os habitantes da região.
Aos poucos, Tomás Laranjeira construíra um
verdadeiro império de trabalho onde o paraguaio, derrotado e necessitado de
sobreviver, encontrava, graças ao seu sistema frugal de vida, meios de
subsistência. Em épocas certas do ano os ervais silenciosos enchiam-se de vida
com a presença dos ervateiros a colher a erva, num trabalho verdadeiramente
hercúleo.
Fundado o Banco Rio e Mato Grosso, sob a direção do
dr. Joaquim Murtinho, aliou-se a ele Tomás Laranjeira, do que resultou a
formação da Companhia Mate Laranjeira, sociedade anônima, com um capital de 15.000
ações, das quais Laranjeira ficou com apenas 110. Mais tarde, assumindo o
governo de Mato Grosso o dr. Manuel Murtinho, mano do responsável pelo Banco
Rio e Mato Grosso, o Estado arrendou àquela as terras devolutas situadas entre
o ribeirão Onças, a serra de Amambaí, o ribeirão São João e os rios Dourados,
Brilhante, Ivinhema e Paraná. Em 15 de julho de 1893, essa área foi acrescida
com todo o vale do Santa Maria, pela Resolução Legislativa n. 103.
Tomás Laranjeira, nome hoje em dia pouco conhecido
das novas gerações, foi com a indústria extrativa um pioneiro, verdadeiro
bandeirante, que muito fez no sentido da conquista e do desbravamento da
região. Hoje em dia o seu nome é lembrado apenas nas referências históricas ligadas
à Companhia Mate Laranjeira, que passou, no século 20, a constituir
um estado dentro do Estado, formada por capital
argentino e dirigida pelos representantes de seus acionistas.
A história desta Companhia, que ainda não foi
escrita totalmente, é cheia de altos e baixos, estes quase sempre prejudiciais
ao desenvolvimento regional, o qual somente pôde ser devidamente levado avante com
a reação de governos de Mato Grosso, que aos poucos foi cortando as suas asas e
contendo as suas arrancadas expansionistas.
É inegável a existência de alguns saldos positivos
deixados pela Mate Laranjeira, como a abertura de estradas, a criação de
localidades como Porto Murtinho, antiga fazenda Três Barras, em plena região
pantaneira, por onde era exportado o produto da extração ervateira.
A intolerância dos donos da Mate Laranjeira para
com os brasileiros que chegavam principalmente do Rio Grande do Sul, fugindo às
impiedosas “guerras caudilhescas” que enlutaram aquele Estado no fim do século 19
e início do século 20, ensejou por parte destes um ambiente de revolta contra o
domínio da Empresa argentina, que não permitia o estabelecimento de outras
atividades que não a extração ervateira de seu interesse, o surgimento do
Movimento Divisionista, que teve por berço Nioaque. Ali repercutiu o brado de
Muzzi, que ecoou na revolta de Mascarenhas, coadjuvado pelo advogado Barros
Cassal, que ali se homiziara, vindo de Porto Alegre, por perseguição política.
Além de Porto Murtinho, as povoações de Ponta Porã,
Bela Vista e Colônia Penzo (atual município de Antônio João) e Dourados foram
localidades que se formaram durante este período marcante de após guerra, na
região ervateira.
Com as ampliações verificadas no decorrer da
concessão, a área ocupada pela Mate Laranjeira atingiu a mais de 1.600 léguas
quadradas!
A fim de facilitar a exportação do produto, o Banco
de Murtinho adquiriu à margem esquerda do rio Paraguai a fazenda Três Barras,
abaixo do Fecho dos Morros, e fundou Porto Murtinho.
Passando ao controle da Mate Laranjeira, da qual
era o maior acionista o Banco Rio e Mato Grosso, a indústria idealizada por
Tomás Laranjeira expandiu-se muito além da expectativa, tornando-se o governo
de Mato Grosso sem forças para interferir efetivamente na região, não faltando em
alguns períodos governamentais a influência da Empresa, ligada a próceres
políticos influentes. A localidade de Campanário, na região de Ponta Porã, sede
administrativa em Mato Grosso, da Mate Laranjeira, tornou-se durante alguns
anos como que uma cidade medieval fechada a quem quer que fosse, um delegado de
polícia ou mesmo um juiz de direito. As autoridades designadas pelo governo
estadual eram simplesmente corrompidas se quisessem manter-se no cargo. Até
mesmo o governo estadual, nos seus momentos de apertura financeira, recorreu a
empréstimos e garantias que a Empresa atendia com vistas à aquisição futura da
extensa área objeto da concessão.
A Mate Laranjeira “tão desproporcionadamente
prosperou, em relação à economia mato-grossense, que, por fim dispunha de recursos
com que pudesse intervir na política estadual, franca ou veladamente.(....).
Conseqüência fatal de tal pujança, com o apoio fortalecia os governos amigos,
do mesmo passo que perturbava, com sérias hostilidades, as administrações ou
partidos adversos”. (V. Correia Filho, PEDRO CELESTINO, p. 102). n. 1 –
setembro de 2003
O domínio adquirido pela Mate Laranjeira baseava-se
em contrato que firmara com o governo de Mato Grosso a 2 de agosto de 1894,
contrato pelo qual lhe era dada a permissão para colher a erva a ser
industrializada e comerciada “desde as cabeceiras do rio das Onças, na serra de
Amambaí, pelo ribeirão S. João e nos Dourados, Brilhante, Ivinhema e Paraná até
a serra das Onças”. Entrando em liquidação o Banco Rio e Mato Grosso, proprietário
de 14.500 ações de um total de 15.000, do qual era presidente Manuel Murtinho,
a concessão de exploração dos ervais, que perduraria até junho de 1916, passou
para a firma Laranjeira, Mendes e Cia., com sede em Buenos Aires, sendo a
transferência da concessão
autorizada por lei especial de 19 de maio de 1902.
Além de estradas carreteiras abertas pela Mate
Laranjeira, esta construiu uma estrada de ferro no Estado do Paraná ligando
Guaíra a Porto Mendes, com a estação intermediária, Dr. Oliveira Castro,
vencendo a região não-navegável de Sete Quedas. A última composição trafegou em
1954. A sua principal estação foi submersa, em 1982, com a formação da represa
de Itaipu. Também em Porto Murtinho uma outra fora construída para transporte
do produto das colheitas, desde os ervais até o cais de embarque, no rio
Paraguai.
Desentendimentos políticos em Cuiabá, que não vem a
pêlo historiar neste trabalho, protelaram durante anos uma decisão definitiva
sobre a concessão para a exploração da erva-mate, apesar da proteção dispensada
à Empresa pelo senador Antônio Azeredo, que enfrentava a campanha de defesa dos
interesses do Estado e dos povoadores da região movida pela figura varonil de
Pedro Celestino Correia da Costa. Enquanto essa situação perdurava, os ervais
do Paraná passaram a ser mais bem explorados e a Estrada de Ferro Noroeste ia
avançando sobre a região sulina de Mato Grosso. Em conseqüência, a indústria
ervateira do antigo império da Mate Laranjeira entrava em declínio.
Para se ter uma idéia do quanto o contrato da
concessão interessava à Empresa, basta que se diga que sobre a produção de uma
área de 1.400.000 hectares o Estado recebia apenas a importância de trezentos e
cinqüenta mil réis, até seis milhões de quilos de erva exportados.
No governo de Dom Fr. de Aquino Correia, eleito
graças a um acordo entre as correntes políticas, títulos de propriedade de
terras começaram a ser expedidos aos posseiros que conseguiram radicar-se na
região.
Foi somente após a Revolução de 1930, que levou
Getúlio Vargas ao Poder, com a mudança da mentalidade reinante na chamada
República Velha, que a Empresa entrou em paulatina liquidação de suas
propriedades.
O governo federal desapropria as instalações de
Guaíra e o serviço de navegação que a Mate Laranjeira mantinha no alto Paraná,
acabando com o monopólio que subsistiu durante setenta anos.
Como decorrência dessas medidas, novos povoadores
foram entrando na região, surgindo núcleos populacionais hoje transformados em municípios.
Na região de Dourados, a Colônia Federal, criada
pelo governo brasileiro, atraiu centenas de pequenos produtores rurais que
foram desbravando a área que era coberta por ricas matas, cujo solo se mostrava
propício à lavoura e à formação de viçosas pastagens.
Coube ao governo de Arnaldo Estêvão de Figueiredo
(1947-1950), com a sua política de terras, dar o tiro de misericórdia na Mate
Laranjeira, acabando com o agonizante império iniciado por Tomás Laranjeira.
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