Este trabalho trata da navegação comercial na Bacia do Alto Paraná, em território do antigo Sul do Mato Grosso, (que corresponde ao Estado do Mato Grosso do Sul), durante a primeira metade do seculo XX. Abordando-se especialmente a região situada ao Sul da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, (caracterizada pela atividade de pecuária bovina e da extração da erva-mate), procura-se mostrar que nesta região, dada a ausência de outras ferrovias e a imprestabilidade das estradas de rodagem, a navegação fluvial desempenhou por algum tempo, um papel econômico relativamente importante em articulação com as ferrovias paulistas, (sobretudo a Sorocabana). Constituiu por um lado parte do esforço de expansão do capital sediado no pólo paulista, facilitando o abastecimento da região com gêneros de consumo, aí incluídos produtos da industria como da agricultura paulista. Por outro lado permitiu a exportação de erva-mate, tanto via São Paulo, como e principalmente via Baixo Paraná, em direção ao mercado argentino.
quarta-feira, 16 de setembro de 2015
Revisitando um velho modelo - Contribuições para um debate ainda atual sobre a história econômica de Mato Grosso - Mato Grosso do Sul - Paulo Roberto Cimó Queiroz
A historiografia mato-grossense1 inicia-se, em sua versão considerada tradicional, pelo menos na primeira década do século XX (cf. Zorzato, 1998). Já no âmbito universitário, o ensino e a pesquisa em História são bem mais recentes. No espaço correspondente ao atual Mato Grosso do Sul, o ensino superior em História começou nos anos 1960, quando se formaram, nesse espaço, os núcleos que originariam as futuras universidades sul-mato-grossenses. A pesquisa, por sua vez, começou a desenvolver-se na década seguinte, quando a Universidade Estadual de Mato Grosso (que em 1979 se transformaria na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, UFMS) passou a enviar seus docentes aos programas de pós-graduação estabelecidos nos grandes centros brasileiros...
Foi portanto nesse contexto ainda inicial que, em 1984, Gilberto Luiz Alves (então mestre em Educação e docente da UFMS em Corumbá) publicou um extenso ensaio sobre a história econômica de Mato Grosso/Mato Grosso do Sul, intitulado: Mato Grosso e a história, 1870-1929: ensaio sobre a transição do domínio econômico da casa comercial para a hegemonia do capital financeiro. Rico em referências empíricas, fornecendo um amplo panorama das condições econômicas presentes em Mato Grosso/Mato Grosso do Sul durante longo período (que aliás ultrapassa os marcos indicados no título), o referido texto se destaca da produção acadêmica anterior pela maior preocupação em tentar fornecer uma abrangente explicação da natureza e das causas das transformações verificadas. Com tais credenciais, o trabalho de Alves tornou-se referência para jovens pesquisadores sul-mato-grossenses do campo das Ciências Humanas.
A Companhia Mate Laranjeira e seus fluxos mercantis (1891-1902) - Paulo Roberto Cimó Queiroz
A Cia. Mate Laranjeira (CML), uma sociedade anônima fundada no Rio de Janeiro, em 1891, com o fim de explorar os ervais nativos na porção sul do então estado brasileiro de Mato Grosso (porção aqui chamada SMT), organizou nessa época um vasto circuito mercantil interligandoas áreas de produção e consumo de sua erva-mate. A face mais conhecida desse circuito envolvia o SMT e a Argentina (o principal mercado consumidor da erva) e consistia nos fluxos de importação de gêneros de consumo dos trabalhadores e exportação de erva cancheada – o que era feito por meio de uma íntima cooperação com a firma bonairense Francisco Mendes & Cia. e de uma extensa utilização do sistema fluvial platino, sobretudo os rios Paraguai/Paraná. O presente texto, baseado em documentos originais da empresa (sobretudo os relatórios da diretoria), busca entretanto mostrar que esses fluxos atingiram níveis mais elevados de amplitude e sofisticação. Mostra-se que eles envolviam também, em grande escala, o território da República do Paraguai (tanto que, durante um certo tempo, a verdadeira sede operacional da empresa ficou estabelecida em Assunção) e evidencia-se sobretudo que a CML promoveu nessa época uma notável verticalização de suas atividades, mediante a aquisição de uma fábrica de beneficiamento da erva em Buenos Aires, e intentou ingressar ainda nos mercados de Montevidéu,do Rio de Janeiro (onde chegou a estabelecer uma outra fábrica, embora de menores dimensões) e até mesmo dos Estados Unidos da América.
Área de influência da Cia Mate Laranjeira
Em 1813, o ditador do Paraguai, Francisco Francia proíbe a exportação de erva mate e assim, torna-se o Brasil o único produtor e exportador de erva mate. Dessa forma, alguns comerciantes paraguaios e espanhóis vieram se instalar em terras paranaenses, montando engenhos para beneficiar o mate. Curitiba torna-se assim um centro de exportação, transformando a erva mate em uma das maiores riquezas nacionais.
O inicio da exploração dos ervais nativos se deu após a Guerra da Tríplice Aliança, contra o Paraguai. Com o inicio da demarcação dos limites entre Brasil e Paraguai, chefiada pelo Coronel Eneas Gustavo Galvão e apoiado por uma tropa de infantaria comandada pelo Major Antonio Maria Coelho e que tinham como um dos fornecedores de alimentos e gêneros para as tropas e a comissão, um gaucho chamado Tomas Laranjeira.
Em 1882, Tomas Laranjeira conseguiu o monopólio de extração da erva mate através de uma concessão de dez anos em uma extensa região.
Quase a metade do atual estado do Mato Grosso do Sul esteve nas mãos da Companhia Matte Laranjeira. Iniciando com o Decreto Imperial 9692 de 31 de Dezembro de 1.886 e após incorporando novas terras devolutas até se tornar um estado dentro do Estado.
Maiores detalhes podem ser encontrados no artigo "A ERVA-MATE, SUA HISTÓRIA, SEUS ENCANTOS E DESENCANTOS", também neste blog.
Quase a metade do atual estado do Mato Grosso do Sul esteve nas mãos da Companhia Matte Laranjeira. Iniciando com o Decreto Imperial 9692 de 31 de Dezembro de 1.886 e após incorporando novas terras devolutas até se tornar um estado dentro do Estado.
Maiores detalhes podem ser encontrados no artigo "A ERVA-MATE, SUA HISTÓRIA, SEUS ENCANTOS E DESENCANTOS", também neste blog.
No link abaixo pode-se visualizar a área de abrangência e influência da Cia Matte Laranjeira.
ERVA MATE : ORIGENS, COSTUMES E HISTÓRIA
Roberto Ave-Lallemant (1812-1884) visitando o Rio Grande do Sul em março de 1858, registra a importância folclórica da erva-mate: "O símbolo da paz, da concórdia, do completo entendimento – o mate! Todos os presentes tomaram o mate. Não se creia, todavia, que cada um tivesse sua bomba e sua cuia própria; nada disso! Assim perderia o mate toda a sua mística significação. Acontece com a cuia de mate como à tabaqueira. Esta anda de nariz em nariz e aquela de boca em boca. Primeiro sorveu um velho capitão. Depois um jovem, um pardo decente – o nome do mulato não se deve escrever; depois eu, depois o “spahi”, depois um mestiço de índio e afinal um português, todos pela ordem. Não há nisso, nenhuma pretensão de precedência, nenhum senhor e criado; é uma espécie de serviço divino, uma piedosa obra cristã, um comunismo moral, uma fraternidade verdadeiramente nobre, espiritualizada! Todos os homens se tornam irmãos, todos tomam o mate em comum!"
(Viagem pelo Sul do Brasil, 1.º, 191. Rio de Janeiro, 1953).
O Genero Ilex - Alternativas de sustentabilidade no uso de etnoespécies pelos Kaiowa e Guarani em Ms - Adriana Zanirato Contini
O presente trabalho objetiva investigar o papel etnobotânico de espécies do gênero Ilex no cotidiano dos índios Kaiowá e Guarani da Reserva Indígena de Caarapó, Mato Grosso do Sul. Pontuar os sinais indicativos de desenvolvimento ao longo de sua história, embasarão as sinalizações para desencadeamento do processo de desenvolvimento local desses povos, a partir do material botânico nativo em foco, também objetivo desta pesquisa. No primeiro capítulo, realizou-se uma contextualização histórica da Ilex paraguariensis St. Hil., a erva mate, a espécie mais utilizada do gênero pelos Kaiowá e Guarani; buscou-se, assim, delinear o papel desta espécie nos processos ocorridos, inclusive no concernente à colonização do sul do Estado.
terça-feira, 8 de setembro de 2015
ITINERÁRIO DE UM DESTINO - DEMÓSTENES MARTINS
O povoamento
de Mato Grosso foi a resultante do descobrimento das minas de ouro de Cuiabá
pelos bandeirantes vindos de São Paulo na preia dos índios. Esgotados os
depósitos auríferos aluvionais do Coxipó e do Sutil, o espírito ambulatório dos
sertanistas imantou-se no sentido da posse das terras visualizada na fundação
das fazendas para o apascentamento
dos
rebanhos. Ademais, a posse de grandes tratos de terra dava ao sertanistas foros
de opulência e de nobreza, a cepa do nosso coronelismo, que se assemelhava a um
feudalismo achamboado, no dizer de Euclides da Cunha.
A
movimentação da própria lida do pastoreio impunha a penetração de novos
horizontes, num centrifugismo ampliador que desvendava paragens mais
vantajosas, propiciando novas posses.
Foram as
investidas dos sertanistas, nas pegadas das bandeiras paulistas, repulsadoras
dos castelhanos das reduções erigidas à sombra da linha de Tordesilhas, que
ensejaram as posses na região da Vacaria, no sul matogrossense.
Deve-se ao
intimorato sertanista Joaquim Francisco Lopes o reconhecimento dessa região
através das suas dezessete entradas, vindo de sua fazenda Monte Alegre, nas
proximidades do rio Paraná, para as bodas do seu espírito de bandeirante com a
virgindade de paragens ignotas. A ele deve-se a vinda dos Barbosas, dos Lopes e
dos Sousas, os pioneiros do povoamento da Vacaria com os rebanhos que
trouxeram. Foram eles os povoadores da região, que os paraguaios reivindicaram
como de seu domínio. As suas posses entre os rios Apa e Miranda foram os marcos
que assinalaram as raias do Império nesses lindes distanciados.
Com a
invasão da região pelas tropas de Solano Lopez, a mando do coronel Francisco
Isidoro Resquin, os posseiros tiveram que abandonar as suas fazendas até que,
concluída a guerra em 1870, tornaram a elas, restaurando-as.
Assim, vindo
de Monte Alegre, Minas Gerais, José Antônio Pereira aportou, a 21 de junho de
1872, à confluência dos córregos que mais tarde se chamariam de Prosa e
Segredo, local que julgou adequado ao estabelecimento de sua posse, resolvendo
aí ficar.
Decidido a
fixar-se nessas paragens, retornou a Monte Alegre a fim de trazer dali os
integrantes de sua numerosa família e os seus haveres, deixando na posse o
poconeano João Nepomuceno, com quem se encontrara no local. Entrementes, este,
aventurosa criatura, comete um crime, assassinando, numa disputa sobre a compra
de uma rês para seu abastecimento, o fazendeiro de Camapuã Joaquim Mota, que o
obrigou a refugiar-se da justiça, abandonando a posse, traspassando-a ao
mineiro Manuel Vieira de Sousa que, numa caravana em que vinham vários
familiares, rumava para o sertão em busca de terras para uma posse. Ressalvou, porém,
o transferente, o direito que caberia a José Antônio Pereira,
caso
retornasse este de sua viagem a Monte Alegre, que se dilatara das previsões
estimadas.
Estabelece-se
Manuel Vieira na posse e a 14 de agosto de 1875 vê chegar José Antônio Pereira
conduzindo numerosa caravana composta de seis carros-de-bois atestados de
bagagens, víveres, sementes e mudas de árvores frutíferas à frente de um lote
de gado de criar e animais de campeio. Vinham, ao todo, entre familiares e
escravos, 62 pessoas.
Esclarecida
a situação criada com a fuga de João Nepomuceno, ocasionadora da transação que
efetuara, entenderam-se os posseiros e permaneceram no local onde realizaram,
para acomodação de todos, a construção de vários ranchos ao longo do atual
córrego do Prosa, que seria mais tarde, a rua que se denominaria 26 de Agosto.
Lançadas as
construções que, dessarte ganhariam aspecto de povoado, prestes ele se
desenvolveu, mercê de sua posição que era a de ponto de apoio naquelas ermas
paragens para os que da Vacaria demandavam Camapuã, no caminho para Santana do
Paranaíba, em busca das terras de Minas Gerais, pela via terrestre, ou as de
São Paulo, pela via fluvial do rio Pardo. Concorreu também para o seu progresso
a construção de uma igrejinha com que se desobrigara José Antônio Pereira de
promessa feita a Santo Antônio, quando, no seu trajeto para a nova terra, fora
detido, em Santana do Paranaíba, por um surto de malária ali dominante.
Os moradores
de distanciadas regiões vinham no fervor de sua crença trazer à imagem do
taumaturgo de Pádua as oblatas das suas preces e os rogos para as suas
aflições.
No seu
panteísmo de crente de Santo Antônio e na moldura do ambiente físico da gleba
em que se instalara, José Antônio dá-lhe o nome de
Santo
Antônio de Campo Grande. Era, realmente, grande, mesmo imenso, o desafogado
campo em que se situara.
Fortalecido
pela sua expressão demográfica que se vai adensando, o local ganha foros de
povoado. Em 1878 vem da vila de Nioaque o padre Julião Urquia rezar a primeira
missa, sob a invocação de Santo Antônio, e realizar casamentos e batizados em
cerimônias festivas que se celebraram no dia 4 de março. De então em diante, o
velho cura incluía sempre
o povoado de
Santo Antônio de Campo Grande nas suas desobrigas pelos
sertões, na
semeadura da fé cristã.
Organização política
A Lei n.
792, de 22 de novembro de 1889, promulgada pelo presidente da província – a
notícia da proclamação da República, a 15 de novembro, somente chegou a Cuiabá
a 9 de dezembro de 1889 – ainda atreita à divisão administrativa imperial,
criou a freguesia de Santo Antônio de Campo Grande, pertencente ao município de
Nioaque.
Instituída a
república, a Lei n. 165, de 6 de março de 1897, transferiu a freguesia da
jurisdição da comarca de Nioaque para a de Miranda.
Com a
fundação do povoado de Aquidauana, em 15 de agosto de 1892, às margens desse
rio, um dos afluentes do Miranda que, por sua vez, é um dos tributários do
Paraguai, mais um elo se acresceu à cadeia de comunicações que Campo Grande
centralizava. É que aquele povoado, implantado à margem do rio navegável, seria
o porto por onde os habitantes do planalto, especialmente da Vacaria, receberiam
as utilidades de que careciam, transportadas pela via fluvial servida de
lanchas a vapor rebocando chatas.
Essa via
fluvial era o caminho mais propício às viagens à capital do Estado, Cuiabá, e
Rio de Janeiro, os dois pólos de relações políticas, administrativas e
comerciais do novel centro de população que dia a dia ganhava desenvolvimento.
Destarte, a estrada para Aquidauana passou a ter intensa movimentação de carros
e carretas-de-bois transportadoras de mercadorias, suplantando, assim, o
comércio que se fazia com a distante Conceição, no Paraguai, empório da região
da Vacaria.
O município
Continuando a desenvolver-se, a
freguesia foi elevada à categoria de vila, constituindo um município da comarca
de Nioaque pela Lei n. 225, de 26 de agosto de 1899, data festivamente
comemorada como o dia da cidade.
Criado o município, foi nomeado
seu primeiro intendente (hoje prefeito), Francisco Mestre, pelo governador
(então presidente) do Estado, um dos mais esclarecidos e intelectualmente
capazes cidadãos da nova comuna.
A amenidade do clima, a
fertilidade do solo, a posição geográfica ensejadora de um dominante
centripetismo na região, a força da atração do convívio humano nessas paragens
solitárias, foram as parcelas que deram vitalidade, destaque e importância à
vila de Santo Antônio de Campo Grande, já na posse de foros de município, no
dealbar deste século
(século
20).
–––––––
CRIAÇÃO DO TERRITÓRIO DE PONTA PORÃ - JOSÉ BARBOSA RODRIGUES
Na década de
trinta, quando o movimento em prol da divisão de Mato Grosso viveu talvez a
mais intensa e exaltada fase de sua história, é que ocorreu a realização, em
parte, do seu desideratum. Deu-se isso em 1943, no dia 13 de setembro, quando o
governo federal, então presidido por Getúlio Vargas, houve por bem criar cinco
territórios federais, sendo dois com áreas do território de Mato Grosso – Ponta
Porã e Guaporé (hoje Estado de Rondônia). O primeiro na fronteira com o
Paraguai e o segundo na região fronteiriça com a Bolívia. Os demais foram
Amapá, Rio Branco e Iguaçu. O de Ponta Porã e o de Iguaçu tiveram existência efêmera.
A criação
dos cinco territórios teve origem no mesmo decreto-lei presidencial, de n.
5.812, publicado no Diário Oficial de 29 do mesmo mês e ano. Desmembrado de
Mato Grosso, passaram a integrar o Território os municípios e distritos de
Ponta Porã (capital), Maracaju, Porto Murtinho, Nioaque, Bela Vista, Dourados e
Miranda.
A administração
territorial, de acordo com o Decreto-Lei n. 5.839, de 21 de setembro do mesmo
ano, seria a mesma do Estado do qual fora desmembrado. No ano seguinte, a 5 de
janeiro, o coronel Ramiro Noronha foi nomeado governador do Território e, a 31
do mesmo mês, chegou a Ponta Porã, instalando o seu governo.
Foi assim
que expressiva parcela da área territorial mato-grossense, praticamente
desbravada e povoada por famílias vindas do Rio Grande do Sul, onde por
primeiro se ouvira, no século anterior, o brado separatista, libertou-se dos
liames que a prendiam à longínqua Cuiabá. Coincidentemente o chefe do governo
federal era também de origem sul-riograndense.
A criação do
Território de Ponta Porã, apesar de ser uma vitória para uns, foi decepcionante
para ponderável parcela da região sul-mato-grossense, que tanto se batera pela
separação da região norte. Todavia, restava a esperança de que esse fora o
primeiro passo para a almejada divisão do Estado. Em decorrência da criação do
Território, justas e insopitáveis demonstrações de euforia tomaram conta da
gente fronteiriça e um seu ilustre filho (Hélio
Serejo) assim registrou o acontecimento: “Gente nova chega todos os dias.
Aos magotes. A fronteira faz rebrilhar os seus olhares curiosos. A vivência
paraguaia impressiona a todos: costumes, fala e hospitalidade.
As cidades
são irmãs: se entendem magnificamente. O que encanta a gregos e troianos.
Mas... a cidade vaidosa, que carrega a esbelteza, é a brasileira. Por quê?
Porque é a capital com todas as honras. Foi decisão do eminente Dr. Getúlio
Vargas, Presidente da República. Nós
lhe somos
gratos – gratos de verdade, ao ilustre e buenacho filho de São Borja. Gaúcho de
muita fibra, que ama, com sinceridade, o nosso querido Mato Grosso, querência
de milhares e milhares de gaúchos macanudaços.” Instalado o governo
territorial, este passou a cuidar da sua organização administrativa e
judiciária. Comarcas e municípios foram criados, não faltando especial atenção
para com o ensino primário então praticamente inexistente na região.
A fim de
facilitar o aproveitamento das férteis terras da nascente povoação de Dourados,
o governo federal, pelo Decreto n. 5.941, de 28.10.43, implantou a Colônia
Federal de Dourados, no município de Ponta Porã, numa área de trezentos mil
hectares, dividida em dez mil lotes de trinta hectares cada, que foram cedidos
a colonos, o que deu grande impulso à região com a colocação de inúmeras
famílias de agricultores, principalmente nordestinos, o que ensejou alguns anos
depois o surgimento de povoados e a criação de prósperos municípios que
constituem a hoje denominada Grande Dourados. Esta Colônia deveria ter sido
criada um ano antes, em 1942, em decorrência de sugestão do Ministério da
Agricultura,
não fora a atitude adotada pelo
interventor federal em Mato Grosso – bacharel Júlio Müller, que negou a cessão
da área pretendida, sob a alegação de que ela deveria ser localizada na região
norte do Estado...
Foi essa atitude do então
interventor recebida pelos sulistas como mais uma demonstração de que o que
fosse bom para o sul não o era para o norte. Getúlio Vargas, que na sua visão
de estadista sempre esperava o momento oportuno para efetivar o que planejara,
exarou, na ocasião, lacônico despacho nos seguintes termos: “Não querendo o
Estado fazer cessão das terras escolhidas pelos técnicos do Ministério da
Agricultura, não pode ser criada a Colônia. Rio, 19.02.942.”
A 17 de novembro de 1945, o
governador Ramiro Noronha, que demonstrara ser possuidor de alto tino de
administrador, deixou o governo do Território, em virtude de exoneração
solicitada. Substituiu-o o major José Guiomar dos Santos, que logo depois foi
substituído pelo médico José Alves de Albuquerque.
No ano de 1946, promulgada a
nova Constituição Federal, esta trouxe no seu capítulo de Disposições
Transitórias, artigo 8.°, a extinção do Território de Ponta Porã, voltando a
sua área a integrar o Estado de Mato Grosso.
Foi decepcionante para os
territorianos a decisão constitucional. Em conseqüência, a esperança de que o
sonho separatista um dia se concretizasse voltou a ser uma constante no seio de
toda a população que mourejava acima da torrente do Paraná.
A IMIGRAÇÃO GAÚCHA - JOSÉ BARBOSA RODRIGUES
Ao mesmo
tempo que a região de Mato Grosso, após a guerra do Paraguai, começava a ser
repovoada, o Estado do Rio Grande do Sul era teatro de lutas políticas
sangrentas a partir de 1891, perdurando até 1895, quando se extinguiu a
Revolução Federalista. Os vencidos, principalmente, haviam se refugiado nas
repúblicas vizinhas – Uruguai, Argentina e Paraguai – de onde muitos, temorosos
de represálias ou cansados das lutas em que se empenharam, decidiram emigrar
para Mato Grosso.
Foi assim
que muitos rio-grandenses que fizeram história no Rio Grande deixaram o seu
nome inscrito na historiografia de Mato Grosso do Sul. João de Barros Cassal,
advogado, coronel Bento Xavier, Antônio Inácio Trindade, capitão honorário do
Exército brasileiro, que promoveu intercâmbio entre Mato Grosso e o Rio Grande;
Joaquim César, Constantino
de Almeida,
Felipe de Brum, Davi Medeiros, Policarpo d’Ávila, Pedro Gomes de Oliveira, José
Leite Penteado, Antônio Falcão, os Loureiros, Antunes e, além de muitos outros,
Augusto Ilgenfritz5.
5. Este gaúcho
resoluto toma a decisão de, saindo de São Tomé
(RS), atingir a
região mato-grossense pedalando uma bicicleta...
Extenuado, chega a
Posadas (Argentina) com o veículo às costas,
vencido pelos
areais das estradas... Prosseguiu, até onde pôde,
por ferrovia. Mas
veio!
Sozinhos, ou
acompanhados de familiares, muitos foram os rio-grandenses que cruzaram,
durante meses de caminhada, partes dos territórios da Argentina e Paraguai, a
cavalo ou em carros-de-bois, até mesmo a pé, antes de chegarem a Mato Grosso.
Historiadores rio-grandenses calculam em dez mil o número de gaúchos vindos no
final do século 19 e início do século 20 para a região então assinalada como
Nova Querência.
O escritor
gaúcho Mário Beck esclarece que essa marcha era feita em quatro escalas ou paradas:
a primeira em Posadas, na Argentina; a segunda em Encarnación (Paraguai); a terceira
em São Joaquim, divisor das águas do Paraná e Paraguai; a quarta, em Ipeum
(atual Paranhos), já em Mato Grosso do Sul. Durante a marcha, “crianças,
cachorros e potrilhos
iam nascendo”6.
6. “Ali encontraram os nossos coestaduanos,
topografias, climas,
meios enfim, análogos aos de suas terras natais.
Os mesmos horizontes largos das imensas campinas! A mesma sinuosa cadeia
de coxilhas! Largas pastagens à criação do gado!
E o chimarrão?
Sem ele o gaúcho não se aclimataria. Mas ali
existem enormes ervais... E também a cuia espumando num amargo, foi mais um
atilho que prendeu o guasca ao chão da Nova
Querência.” (Mário
Lima Beck, NOVA QUERÊNCIA –
Crônica das emigrações rio-grandenses para Mato Grosso, p. 18, Livraria
Selbach, Porto
Alegre, 1935).
A primeira
notícia da presença do rio-grandense na região pantaneira data do final do
século 19, segundo o relato colhido em 1904 pelo viajante checo A. V. Fritch,
feito por um “médico-feiticeiro caduveo” (o pajé Apatxaro), relato este mais
recentemente divulgado por Loukotka7 que afirma
terem os gaúchos estado na região do Nabileque, sob o comando do coronel Benito
Chovier8, a chamado de Malheiros, senhor de Barranco Branco,
para combaterem os índios cadiueus. Textualmente, diz o relato: “Afinal,
Malheiros tratou com o coronel Benito Chovier que lhe acudiu com os refugiados
do Rio Grande do Sul. Eles tinham fugido da revolução e levado consigo o gado.
Compraram fuzis de repetição (sistema
mauser). Mas
antes de chegarem à fazenda, foram atacados por Anuvila e dezoito Caduveo que
mataram muitos homens do Rio Grande. Os outros se
fecharam nas casas. Os caduveo os assediaram. Havia lá encerrados cento e vinte gaúchos. Tinham somente facões. Um valente correntino, Miguel Pires, apoderou-se corajosamente de um fuzil Remington.
Feriu um
Caduveo que estava trepado no telhado. Os outros fugiram para as florestas. Os refugiados
do Rio Grande pensavam que havia lá muitas centenas de índios. Nesse momento
nasceram grande desconfiança e muito medo nos dois partidos. Os infelizes
Caduveo foram perseguidos como caça, de um lugar para outro. Não puderam nem
fazer plantações nem construir aldeias.”9
7. “Nouvelle
contribution a l’étude de la vie et du langage des
Kaduveo”, in
Journal de la Société des Americanistes, NS, t. XXV,
Paris, 1933,
253-254.
8. Não seria
coronel Bento Xavier? Tudo indica que sim, pois
Bento Xavier, por
algum tempo, trabalhou na caça ao gado alçado,
na fazenda de
Malheiros.
9. Apud Guido
Boggiani, “Os Caduveo”, p. 37.
Alguns
gaúchos já estavam, porém, radicados na região antes da grande migração, que
ficaram na região depois da desmobilização ocorrida no fim da Guerra do
Paraguai, o que facilitou a acomodação dos chegantes, cuja maioria nunca mais
regressou aos pagos, mas deixou-se ficar na nova querência onde havia pastagens
para o gado e o mate para o chimarrão tradicional.
A região
fronteiriça era como que um prolongamento dos pampas. Tudo isso colaborou para
que os rio-grandenses se sentissem em casa.
Os gaúchos
Felipe de Brum e Adão de Barros destacaram-se então como anjos tutelares em
assistência às comitivas chegantes depois de caminharem por três ou mais meses
pelos sertões da Argentina e do Paraguai, enfrentando toda sorte de perigos,
além de assaltantes correntinos que infestavam aquelas paragens.
Entre os
rio-grandenses radicados na fronteira Brasil-Paraguai, destacou- se o coronel
Bento Xavier, que após anos de vida pacata transformou- se em elemento
perigoso, rebelando-se contra o governo estadual, não deixando de constituir
motivo de desassossego para muita gente, inclusive para os habitantes de Campo
Grande, cidade por ele assaltada, onde encontrou a reação destemida de Amando
de Oliveira.
Em Nioaque,
então próspera cidade sulina, centro de reações políticas, refugiara-se, em
1901, o advogado rio-grandense João de Barros Cassal, tribuno famoso que fizera
parte do “governicho” que dominou o Rio Grande após a renúncia de Júlio de
Castilhos em 1891.
Possuidor de
esplêndida facilidade de comunicação, arrastava, graças ao seu verbo
inflamante, verdadeiras multidões quando ainda em Porto Alegre. Em Nioaque
aliou-se a João Ferreira Mascarenhas, segundo vice presidente do Estado,
revolucionário mato-grossense. Como advogado de inúmeros posseiros, revoltou-se
contra a morosidade e a indecisão do governo de Cuiabá em deferir os processos
dos quais era patrono, mas que não interessavam a Mate Laranjeira e aos seus
aliados, os irmãos Murtinho. Tendo sido paladino da liberdade no Rio Grande, em
Mato Grosso tornou-se divisionista, pregando a separação do sul do Estado.
Não foi
maior a sua contribuição ao movimento iniciado pelo capitão João Caetano
Teixeira Muzzi, porque a morte o surpreendeu em 1903, vítima de congestão
cerebral. Os seus restos mortais, transladados para Porto Alegre, em 1906,
foram apoteoticamente recebidos pela população.
Trazendo
para a região os seus usos e costumes, os migrantes gaúchos, de mentalidade
mais arejada, exerceram grande influência nos meios reinantes na fronteira,
onde vegetava uma escassa população semi-ignara, que se comunicava por meio de
um linguajar mesclado de português, espanhol e guarani. Durante anos os gaúchos
empenharam-se em luta contra o monopólio da Empresa Mate Laranjeira, que se
julgava senhora de todos os ervais da região.
Vitoriosa a
Revolução de 1930, que alçou o gaúcho Getúlio Vargas à presidência da República
do Brasil, foi o rio-grandense coronel Antonino Mena Gonçalves nomeado
interventor no Estado de Mato Grosso, o que ensejou reacender no seio da
população gaúcha o desejo de transmigrar- se para este Estado. Contudo, poucas
famílias concretizaram essa
aspiração.
A década de
70, principalmente nos últimos anos, com a “descoberta” do aproveitamento dos
cerrados para a expansão da agricultura, foi marcada com a emigração de
paranaenses, catarinenses e especialmente de gaúchos que, economicamente em boa
situação, afluíram à região, dedicando- se principalmente à lavoura de cereais,
arroz, trigo e soja, transformando os campos e cerrados em verdejantes
plantações desde São Gabriel do Oeste a Ponta Porã, inclusive a região da
Grande Dourados.
A chegada
dos filhos do Rio Grande do Sul, afeitos ao amanho da terra e acostumados ao
uso de fertilizantes, até então quase desconhecidos dos antigos habitantes da
região, ocasionou verdadeira revolução nos meios agrícolas do surgente Mato
Grosso do Sul.
Criado o
novo Estado, em 1977, essa migração atingiu o clímax, dada a justa euforia que
tomara conta de todos. Em conseqüência, vilarejos até então modorrentos, se
transformaram em povoados trepidantes enquanto que outros núcleos populacionais
surgiram quase que de um dia para o outro.
Instalado o
primeiro governo do Estado, contingências de ordem política ensejaram a
nomeação de um governante vindo, coincidentemente, de terras gaúchas. O matogrossês, ao invés
de demonstrar repulsa à “invasão” gaúcha, recebeu de braços abertos aos
chegantes e, irmanados.
A EXTRAÇÃO DA ERVA MATE - JOSÉ BARBOSA RODRIGUES
Cessado o toque de clarim às margens do riacho
paraguaio Aquidabãnigui, onde Solano Lopez expirou vítima da guerra que
provocara, o governo imperial brasileiro não se descuidou de estabelecer em
definitivo os lindes territoriais brasileiros com a República do Paraguai.
Foi criada então a Comissão de Limites com a
finalidade de marcar a linha divisória entre os dois países, de acordo com o
princípio do utis possidetis e das
decisões arbitrais.
Os sonhos acalentados pelos conquistadores
espanhóis desde os tempos de Irala até Solano Lopez foram afogados pelo rio de
sangue que este último provocou no dia de 12 de novembro de 1864, quando
aprisionou o vapor Marquês de Olinda.
A Comissão de Limites, que teve os seus trabalhos
iniciados a partir de 16 de agosto de 1872, constituída de representantes do
Brasil e do Paraguai, tinha como fornecedor um cidadão brasileiro por nome
Tomás Laranjeira, natural de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. No exercício de
suas funções este fornecedor, nas suas andanças pela região, teve ocasião de
travar conhecimento dos ervais nativos que constituíam verdadeiras matas em
áreas que se estendiam pelos atuais municípios de Dourados, Ponta Porã, Bela
Vista, etc.
Aquela riqueza ervateira, que cobria vasta área do
atual Mato Grosso do Sul, despertou em Laranjeira, possuidor de espírito
prático e empreendedor, que permanecera, depois da Guerra, no Paraguai e
conhecera a arte da industrialização da erva, por intermédio do Visconde de
Maracaju, seu antigo chefe na Comissão Demarcadora de Limites, que lhe deu a
concessão
(Decreto n. 81.799, de 9 de dezembro de 1882) que
pleiteava, pois o consumo da erva-mate era grande nos povos do sul do continente.
Antes de 1930, a Argentina consumia aproximadamente
75 milhões de quilos de erva-mate, sendo 60 milhões procedentes
do Brasil, ou seja, do Paraná, Santa Catarina e
Mato Grosso. Da região ervateira de Mato Grosso a Empresa Mate Laranjeira e outras
pequenas de Foz do Iguaçu contribuíam com 20 milhões. Dentro de pouco tempo,
contando com o braço de índios guaranis e de paraguaios, iniciou Laranjeira
uma nova indústria extrativa de grande aceitação no comércio sulino, pois a
Ilex paraguariensis nativa na região apresentava sabor especial, que superava o
dos ervais tradicionais tanto do Paraguai como da Argentina. O campônio
paraguaio e o gaúcho dos pampas, afeito aquele ao tereré e este ao chimarrão,
passaram a dar preferência ao produto originário da região que ficava acima do
rio Apa.
“A exploração dos ervais de Mato Grosso foi
realizada principalmente por paraguaios que, falando também o guarani, mais facilmente
puderam aliciar os índios para o trabalho, ensinar lhes as técnicas de extração
e o preparo da erva e acostumá-los ao uso de ferramentas, panos, aguardentes,
sal e outros artigos, cujo fornecimento posterior era condicionado à sua
integração, como mão-de-obra, na economia ervateira.” (Darci Ribeiro, OS ÍNDIOS
E A CIVILIZAÇÃO, p. 89).
A indústria de Tomás Laranjeira expandiu-se do dia
para a noite, passando a constituir fonte estupenda de riqueza até a década de
quarenta, no século atual (século 20). Proclamada a República, assumiu o
governo de Mato Grosso o general Antônio Maria Coelho, outro companheiro de Laranjeira,
o que facilitou um contrato mais amplo para a extração do
mate na extensa região delimitada pelos rios
Brilhante e Ivinhema ao norte, o Paraná ao leste, e Iguatemi ao sul e serra de
Amambaí ao oeste. Esse contrato foi referendado pelo governo republicano, pelo
Decreto n. 520. O Estado passou a lucrar com os rendimentos de imposto,
enquanto que povoações iam surgindo na região que antes da Guerra do Paraguai era
contestada pelos dois países – Brasil e Paraguai – teatro que era de sortidas
freqüentes entre os habitantes da região.
Aos poucos, Tomás Laranjeira construíra um
verdadeiro império de trabalho onde o paraguaio, derrotado e necessitado de
sobreviver, encontrava, graças ao seu sistema frugal de vida, meios de
subsistência. Em épocas certas do ano os ervais silenciosos enchiam-se de vida
com a presença dos ervateiros a colher a erva, num trabalho verdadeiramente
hercúleo.
Fundado o Banco Rio e Mato Grosso, sob a direção do
dr. Joaquim Murtinho, aliou-se a ele Tomás Laranjeira, do que resultou a
formação da Companhia Mate Laranjeira, sociedade anônima, com um capital de 15.000
ações, das quais Laranjeira ficou com apenas 110. Mais tarde, assumindo o
governo de Mato Grosso o dr. Manuel Murtinho, mano do responsável pelo Banco
Rio e Mato Grosso, o Estado arrendou àquela as terras devolutas situadas entre
o ribeirão Onças, a serra de Amambaí, o ribeirão São João e os rios Dourados,
Brilhante, Ivinhema e Paraná. Em 15 de julho de 1893, essa área foi acrescida
com todo o vale do Santa Maria, pela Resolução Legislativa n. 103.
Tomás Laranjeira, nome hoje em dia pouco conhecido
das novas gerações, foi com a indústria extrativa um pioneiro, verdadeiro
bandeirante, que muito fez no sentido da conquista e do desbravamento da
região. Hoje em dia o seu nome é lembrado apenas nas referências históricas ligadas
à Companhia Mate Laranjeira, que passou, no século 20, a constituir
um estado dentro do Estado, formada por capital
argentino e dirigida pelos representantes de seus acionistas.
A história desta Companhia, que ainda não foi
escrita totalmente, é cheia de altos e baixos, estes quase sempre prejudiciais
ao desenvolvimento regional, o qual somente pôde ser devidamente levado avante com
a reação de governos de Mato Grosso, que aos poucos foi cortando as suas asas e
contendo as suas arrancadas expansionistas.
É inegável a existência de alguns saldos positivos
deixados pela Mate Laranjeira, como a abertura de estradas, a criação de
localidades como Porto Murtinho, antiga fazenda Três Barras, em plena região
pantaneira, por onde era exportado o produto da extração ervateira.
A intolerância dos donos da Mate Laranjeira para
com os brasileiros que chegavam principalmente do Rio Grande do Sul, fugindo às
impiedosas “guerras caudilhescas” que enlutaram aquele Estado no fim do século 19
e início do século 20, ensejou por parte destes um ambiente de revolta contra o
domínio da Empresa argentina, que não permitia o estabelecimento de outras
atividades que não a extração ervateira de seu interesse, o surgimento do
Movimento Divisionista, que teve por berço Nioaque. Ali repercutiu o brado de
Muzzi, que ecoou na revolta de Mascarenhas, coadjuvado pelo advogado Barros
Cassal, que ali se homiziara, vindo de Porto Alegre, por perseguição política.
Além de Porto Murtinho, as povoações de Ponta Porã,
Bela Vista e Colônia Penzo (atual município de Antônio João) e Dourados foram
localidades que se formaram durante este período marcante de após guerra, na
região ervateira.
Com as ampliações verificadas no decorrer da
concessão, a área ocupada pela Mate Laranjeira atingiu a mais de 1.600 léguas
quadradas!
A fim de facilitar a exportação do produto, o Banco
de Murtinho adquiriu à margem esquerda do rio Paraguai a fazenda Três Barras,
abaixo do Fecho dos Morros, e fundou Porto Murtinho.
Passando ao controle da Mate Laranjeira, da qual
era o maior acionista o Banco Rio e Mato Grosso, a indústria idealizada por
Tomás Laranjeira expandiu-se muito além da expectativa, tornando-se o governo
de Mato Grosso sem forças para interferir efetivamente na região, não faltando em
alguns períodos governamentais a influência da Empresa, ligada a próceres
políticos influentes. A localidade de Campanário, na região de Ponta Porã, sede
administrativa em Mato Grosso, da Mate Laranjeira, tornou-se durante alguns
anos como que uma cidade medieval fechada a quem quer que fosse, um delegado de
polícia ou mesmo um juiz de direito. As autoridades designadas pelo governo
estadual eram simplesmente corrompidas se quisessem manter-se no cargo. Até
mesmo o governo estadual, nos seus momentos de apertura financeira, recorreu a
empréstimos e garantias que a Empresa atendia com vistas à aquisição futura da
extensa área objeto da concessão.
A Mate Laranjeira “tão desproporcionadamente
prosperou, em relação à economia mato-grossense, que, por fim dispunha de recursos
com que pudesse intervir na política estadual, franca ou veladamente.(....).
Conseqüência fatal de tal pujança, com o apoio fortalecia os governos amigos,
do mesmo passo que perturbava, com sérias hostilidades, as administrações ou
partidos adversos”. (V. Correia Filho, PEDRO CELESTINO, p. 102). n. 1 –
setembro de 2003
O domínio adquirido pela Mate Laranjeira baseava-se
em contrato que firmara com o governo de Mato Grosso a 2 de agosto de 1894,
contrato pelo qual lhe era dada a permissão para colher a erva a ser
industrializada e comerciada “desde as cabeceiras do rio das Onças, na serra de
Amambaí, pelo ribeirão S. João e nos Dourados, Brilhante, Ivinhema e Paraná até
a serra das Onças”. Entrando em liquidação o Banco Rio e Mato Grosso, proprietário
de 14.500 ações de um total de 15.000, do qual era presidente Manuel Murtinho,
a concessão de exploração dos ervais, que perduraria até junho de 1916, passou
para a firma Laranjeira, Mendes e Cia., com sede em Buenos Aires, sendo a
transferência da concessão
autorizada por lei especial de 19 de maio de 1902.
Além de estradas carreteiras abertas pela Mate
Laranjeira, esta construiu uma estrada de ferro no Estado do Paraná ligando
Guaíra a Porto Mendes, com a estação intermediária, Dr. Oliveira Castro,
vencendo a região não-navegável de Sete Quedas. A última composição trafegou em
1954. A sua principal estação foi submersa, em 1982, com a formação da represa
de Itaipu. Também em Porto Murtinho uma outra fora construída para transporte
do produto das colheitas, desde os ervais até o cais de embarque, no rio
Paraguai.
Desentendimentos políticos em Cuiabá, que não vem a
pêlo historiar neste trabalho, protelaram durante anos uma decisão definitiva
sobre a concessão para a exploração da erva-mate, apesar da proteção dispensada
à Empresa pelo senador Antônio Azeredo, que enfrentava a campanha de defesa dos
interesses do Estado e dos povoadores da região movida pela figura varonil de
Pedro Celestino Correia da Costa. Enquanto essa situação perdurava, os ervais
do Paraná passaram a ser mais bem explorados e a Estrada de Ferro Noroeste ia
avançando sobre a região sulina de Mato Grosso. Em conseqüência, a indústria
ervateira do antigo império da Mate Laranjeira entrava em declínio.
Para se ter uma idéia do quanto o contrato da
concessão interessava à Empresa, basta que se diga que sobre a produção de uma
área de 1.400.000 hectares o Estado recebia apenas a importância de trezentos e
cinqüenta mil réis, até seis milhões de quilos de erva exportados.
No governo de Dom Fr. de Aquino Correia, eleito
graças a um acordo entre as correntes políticas, títulos de propriedade de
terras começaram a ser expedidos aos posseiros que conseguiram radicar-se na
região.
Foi somente após a Revolução de 1930, que levou
Getúlio Vargas ao Poder, com a mudança da mentalidade reinante na chamada
República Velha, que a Empresa entrou em paulatina liquidação de suas
propriedades.
O governo federal desapropria as instalações de
Guaíra e o serviço de navegação que a Mate Laranjeira mantinha no alto Paraná,
acabando com o monopólio que subsistiu durante setenta anos.
Como decorrência dessas medidas, novos povoadores
foram entrando na região, surgindo núcleos populacionais hoje transformados em municípios.
Na região de Dourados, a Colônia Federal, criada
pelo governo brasileiro, atraiu centenas de pequenos produtores rurais que
foram desbravando a área que era coberta por ricas matas, cujo solo se mostrava
propício à lavoura e à formação de viçosas pastagens.
Coube ao governo de Arnaldo Estêvão de Figueiredo
(1947-1950), com a sua política de terras, dar o tiro de misericórdia na Mate
Laranjeira, acabando com o agonizante império iniciado por Tomás Laranjeira.
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